quarta-feira, 23 de abril de 2014

Circuito Sesc: Mococa.

Inspirados nas expedições artísticas do século XIX, trios de artistas contemporâneos – escritores, desenhistas e videomakers – percorrem 12 cidades que recebem o Circuito Sesc de Artes com a missão de revelar poeticamente paisagens e personagens. Na cidade de Mococa, participaram o videomaker Nordal Neptune, o escritor Rodrigo Ciríaco e a desenhista Chris Moraes.






MEMÓRIAS


Por Rodrigo Ciríaco
Mocóca. 14 de maio de 1888. Nessa noite, Malika sussurrou que a lei foi assinada. Alvoroço na senzala. Desde ontem, pela lei dos homens brancos, estamos livres. O capataz veio cedo destrancar a porta. A expectativa era grande. Acordou a gente gritando e cantando alto com o chicote, pois disse que era a última vez. Mandou a gente se levantar e pegar estrada. Com a roupa do corpo partir. Éramos livres. “Partir para onde?” – alguém perguntou. Com arma na mão, o capataz procurou quem fez a pergunta. Como não achou, deu uma coronhada na nuca, socos, chutes, no primeiro que viu. “Pra puta negra que te pariu, preto desgraçado. Agora saiam daqui”.

Abdul fez menção de querer ficar, ser contratado pelo senhor. Tinha experiência, conhecia todo o trabalho da roça, da lavoura. Ouviu-se uma grande risada. Alta, com gosto. “Quer dizer que o preto-velho quer ter salário?” – alguém caçoou. “Leva logo sua anca daqui, seu preto de merda. Devia agradecer por ter a sua liberdade assim de graça, e ainda sair com vida. Vai. Some. Emprego vai ter pra quem merece. Pros europeus que já chegaram as cargas. Vão ocupar suas vagas. Vocês a gente quer que morra. Que sumam. Desapareçam. Como se jamais houvessem manchado a nossa história. Como se jamais alguém se interessasse em saber para onde vocês foram quando assinaram essas leis malditas que decretaram o fim de nossos dias de glória. Vá-te. Anda”. E assim partimos, incertos. Apenas com a roupa do corpo, cobertos. Longa estrada. Antes faço uma última parada, debaixo desta árvore ancestral. Com minhas próprias mãos eu cavo, enterro e cubro com pedras este registro. Diário. Deixo aqui, junto com o meu passado de escravo. Minhas memórias dentro da história. Que alguém quem sabe um dia a descubra. E liberte.






Mococa - Fotopoema - Rodrigo Ciríaco




MINEIRINHO: CRIADOR DE COISAS E CAUSOS

Por Rodrigo Ciríaco

PROIBIDO NADAR. RISCO DE AFOGAMENTO, COBRAS E JACARÉS. A entrada do parque de exposição ecológico José Andre de Lima já parece um causo, conto que alguém aumentou os pontos. Mas Valbert Carlos Salgado, mais conhecido como Mineirinho garante que não. Vindo de Cana Verde, Minas Gerais, morando há 20 (vinte) anos em Mocóca, Mineirinho fez da sua casa um jardim educativo em que recebe crianças da cidade, da zona rural, visitantes e turistas em geral com o objetivo de trabalhar as questões da natureza e reciclagem de duas formas: modificando causos e coisas.

Sua casa já é um causo, desses bem inventivos e antigos. A entrada, ainda que térrea, lembra uma casa da árvore, da imaginação de muitas crianças e dos desenhos animados. A campainha, manual: você puxa um arame e toca um sino. No jardim, muitas cores e animais: reciclados e vivos. Pneus em forma de galos, tucanos e araras, vacas feitas a partir de arames e pedras. Gansos, pavões, peru, além dos vários cruzamentos e experimentos – naturais – entre os animais que Mineirinho, conta ter experimentado e resultado bichos diferentes, de dar inveja a muitos laboratórios.

Mineirinho tem uma capacidade criativa além do normal: inventa casas usando latas de alumínio com areia como tijolos, criou uma casa de gatos com técnicas não mais comuns, como barro e bambu, utiliza botas, sapatos e sandálias e até bolas furadas como vaso para um jardim suspenso, tem o seu próprio moinho de pedra, onde faz fubá da melhor qualidade, “sem conservantes”; faz ainda cachaça “mineira” na panela de pressão e, ainda por cima, tem um espaço de forja artesanal onde consegue fabricar peças e utensílios manualmente, e criar facas tão afiadas que, se não chegam a dividir o fio de cabelo em dois, cortam facilmente as folhas de papel.

E se não bastasse tudo isso, e o fascínio que consegue despertar em crianças – e adultos – pela sua capacidade inventiva, Mineirinho é um inventor de causos. Diz saber mais de cinquenta – sem nunca ter lido um livro. Causos de inveja e preguiça, avareza e enganação e os melhores, de assombração, capaz de deixar até carecas de cabelos em pé.

Mas a grande preocupação de Mineirinho é a natureza. Ele, tal qual o Curupira, trabalha pela defesa e salvação da mata. Não assustando as pessoas, mas surpreendendo com as suas invencionices, das coisas e dos causos. Conta que o progresso chegou para ele vindo do rio. Em formato de garrafa pet. E desde então ficou a preocupação com a garrafa e as crianças, com a produção de lixo e a reciclagem. E resolveu trabalhar assim, mineiramente falando, para ajudar na mudança do causo e das coisas. Para quem sabe as histórias terem, assim como em muitos causos, um final feliz.




Fonte: http://circuito.sescsp.org.br/index.php/capitulo-3-mococa/      Publicado em: 23/04/2014

terça-feira, 15 de abril de 2014

Celeiro Cultural: Mococa

As raízes mistas de Mococa, fez da cidade um grande celeiro de arte e cultura. Descendentes de escravos, italianos, japoneses e alemães… O povo carrega suas origens agregando outras culturas que chegaram à cidade. O jeito mineiro, pela proximidade com o estado de Minas Gerais, é marcante, e muitas famílias vieram do estado vizinho quando a cidade foi fundada.

Conhecer alguns personagens característicos da cidade, pode te levar a compreender o papel de Mococa na cultura da região:

- O Mestre Tião Piano, que lidera um grupo de Congada, onde sua família toda participa.

Mineirinho, com suas invenções sustentáveis, conta histórias para as crianças sempre acompanhado pelo seu boneco Calado.

Dona Arminda, com seus doces caseiros. Uma senhora sorridente e muito receptiva, adoça a vida das pessoas que a cerca.

- Maria Vassourinha, que vivia no meio dos jovens. Diz uma lenda urbana, que antes de morrer, pediu um beijo para um rapaz, dizendo: “Se você me der um beijo, eu vou embora sossegada”. Sendo atropelada em seguida.

Além dos personagens da cidade, existem os eventos culturais que acontecem ao longo do ano. A Folia de Reis, que passa pela cidade toda, acaba em um grande café da manhã. A Festa Japonesa e a Virada Caipira, são outras grandes festas com presença popular.

Uma cidade que se preocupa em manter suas raízes, através das festividades públicas de suas etnias.

[Texto e Foto: Marco Tornnelly]
Fonte: http://circuito.sescsp.org.br/index.php/mococa-celeiro-cultural/  Publicado em: 15/04/2014